23/07/2020 23:55

Na live sobre a tábua de sobrevivência da Funcef, ex-consultor da Caixa esclarece situação do deficit

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A tábua de sobrevivência usada pela Funcef tem um histórico de mudanças, decorrente das alterações do histórico de sobrevivência do grupo. Para esclarecer essa e outras questões relacionadas, que geraram várias teses judiciais, a APCEF-PR convidou o ex-consultor técnico da vice-presidência de Controladoria da Caixa, Paulo Sérgio Ferreira, para participar de live realizada na terça-feira (dia 21), em sua página no Facebook. A abordagem teve mediação do vice-presidente da entidade, Jesse Krieger.

No resgate de fatos históricos sobre a tábua, Ferreira começou com o período em que a Funcef foi criada, em 1977. Como na época havia um tempo de serviço anterior ao nascimento da entidade que precisava ser coberto, ele contou que a Caixa, como patrocinadora, comprometeu-se a realizar esse aporte. “Era um valor que representava a cobertura das necessidades, pago por meio de uma contribuição mensal especial que não tinha vínculo ao plano de custeio normal. A Caixa tinha a prerrogativa de assumir necessidades do plano, como as decorrentes de novos planos de cargos e salários”.

Segundo o ex-consultor, esse pagamento não era contabilizado na Fundação e nem na Caixa, pois esse era o procedimento adotado na época por todas as entidades. Com a não contabilização dos valores assumidos pela patrocinadora, ele ressalta que esse deficit acompanhou a Funcef até 1989, quando foi equacionado por meio de contrato com o banco referente a dívida. “O valor era equivalente à necessidade para que o plano de benefícios ficasse equilibrado, sendo o contrato registrado no balanço da Fundação e da Caixa”.

Adequações e novo plano

Com a Constituição de 1988 e depois com a regulamentação pela Lei 8020, foi estabelecido prazo para que os planos estivessem equilibrados e custeio paritário entre participantes e patrocinadora. De acordo com Ferreira, essa situação foi regularizada entre Funcef e Caixa, com a contabilização na Fundação do contrato de dívida que espelhava os valores devidos pelo banco, além do custeio normal do plano que se posicionava paritário.

No entanto, no balanço de 1989, emitido em março do ano seguinte, o plano de benefício apresentou superavit. O ex-consultor explica que, em razão desse excedente - que representou um erro material no contrato de dívida, o Tribunal de Contas da União (TCU) questionou o acordo firmado entre a Caixa e a Funcef, indicando a suspensão do pagamento da dívida e a nulidade do contrato. “Essa situação resultou em ação judicial proposta pela Caixa contra a Funcef, com o objetivo de anulação do contrato e algumas ações da Fundação contra a Caixa, solicitando o pagamento das parcelas vencidas e não pagas”.

De acordo com Ferreira, com as limitações da participação da Caixa no custeio dos planos administrados pela Funcef, qualquer alteração nos planos de cargos e salários do banco ou no regime geral de previdência, que impactassem nos benefícios devidos pela entidade, poderiam provocar deficit que deveria ser suportado paritariamente.

Para resolver a questão, em 1995, a Fundação e a Caixa apresentaram um novo plano de benefícios, de contribuição variável, o REB. “Os benefícios desse plano, em que foi oferecida migração, estão desvinculados do salário de contribuição na patrocinadora. Toda a rentabilidade dos investimentos também é espelhada quando ocorre a concessão dos benefícios”, esclarece o especialista.

Nessa modalidade de constituição do plano de benefícios, o ex-consultor afirma que a tábua de mortalidade utilizada para migração tem efeito direto. “A tábua então assumida para o plano era a AT 49, o que para alguns não era adequada, contudo, o atuário responsável agravava a tábua ajustando à experiência de sobrevivência do grupo”, lembra Ferreira. “Apenas nos planos de contribuição definida ou variável é que a tábua de sobrevivência tem impacto direto na concessão do benefício, o que não é o caso do REG/Replan Saldado”.

Limitação de idade e negociações

As leis complementares 108 e 109, em 2001, revogaram disposições da legislação anterior de 1977 e 1978, que estabeleciam a exigência da idade de 55 anos para a concessão do benefício, para os participantes que ingressaram na patrocinadora a partir de janeiro de 78. Ferreira informa que apenas 1700 participantes, ainda na ativa, estavam fora desse limite na data de edição das leis complementares. “Sem a tal exigência e, caso os benefícios fossem concedidos antes dos 55 anos de idade, haveria necessidade adicional de recursos no plano de benefícios da ordem de R$ 2,1 bilhões, observado que naquela data o plano estava equilibrado, mesmo sem o pagamento da dívida”.  

Com esse cenário, a Caixa fez proposta para quitação do saldo devedor e extinção das demandas judiciais, excluindo o excesso levantado pelo TCU, além da multa e outras pequenas diferenças. De acordo com o ex-consultor, a medida resultou na redução de cerca de R$ 3,7 bilhões para R$ 2,7 bilhões, condicionando o pagamento a ajustes no plano de benefícios e à migração para o REB. Entre os ajustes, estava a extinção da exigência de 55 anos de idade, igualando as condições entre os participantes.

Atendendo a demanda da representação dos empregados no Conselho Deliberativo da Funcef, a Caixa concordou em substituir a migração para o REB pelo saldamento do REG/Replan, de forma opcional. Ferreira conta que, concomitantemente, a Secretaria de Previdência Complementar determinou que todas as entidades fechadas de previdência complementar ajustassem seu passivo com base na tábua de sobrevivência AT 83 e não AT 2000. “Naquela época, de acordo com estudos atuariais, a AT 83 M e F, agravada em dois anos, tinha perfeita aderência ao grupo”.

Após a conclusão de estudos sobre o Saldamento, a representação dos empregados no grupo de trabalho solicitou que os custos futuros com a sobrevivência dos participantes fossem suportados exclusivamente pela Caixa. “Isso não é possível visto as disposições das LC 108 e 109/01. Diante da situação, a Caixa indicou que os recursos aportados relativos à quitação da dívida, excedentes aos ajustes a serem promovidos, fossem utilizados para as adequações da tábua de sobrevivência para a AT 2000, a mais conservadora então”, afirma Paulo Ferreira.

A Caixa propôs ainda que os recursos excedentes fossem utilizados para a contratação de um seguro para os riscos atuariais, o que não aconteceu por falta de empresas interessadas, segundo o ex-consultor. Paralelamente a essa questão, transferiu para a Funcef cerca de R$ 174 milhões, referentes à cobertura da diferença de tábua ( AT 2000). “Os valores eram relativos aos participantes oriundos do BNH, cujos recursos foram aportados pelo Tesouro Nacional e deveriam ser utilizados para cobrir as despesas decorrentes da extinção desse banco”.

De acordo com o especialista, todos os custos necessários para o saldamento foram suportados pelo fundo para revisão do plano, que foi formado com os recursos que a Caixa aportou por meio da quitação da dívida e com a rentabilidade das carteiras e dos títulos que suportaram pagamento da dívida. Para o grupo que não quis aderir ao saldamento, os recursos proporcionais relativos ao aporte da Caixa e de rentabilidade foram espelhados na reserva de contingência.

Dívida pendente e prudência

Ferreira afirma que, devido à regra de custeio paritário, não há como a Caixa fazer qualquer aporte isoladamente, inclusive decorrente de diferença de tábua de mortalidade. “A Caixa não tem como pagar. Desde a Constituição de 88, o pagamento é paritário, ou seja, se ela pagar, os participantes também terão de pagar. Logo, não há dívida”. Segundo o especialista, paralelamente a essa questão, é importante observar que indiretamente o banco fez dois aportes isolados para a cobertura de diferenças de tábuas, um representado pelo excedente do pagamento da dívida para a cobertura da antecipação dos 55 anos de idade e outro para o pessoal proveniente do BNH.

Questionado se o pagamento pela Caixa dos valores consumidos pela Fundação para a cobertura das diferenças da alteração de tábua influenciaria no equacionamento do deficit, Paulo Ferreira entende que esses valores não trariam a solução para os planos de benefícios. “A situação exige mudanças mais amplas que tragam equilíbrio a logo prazo para os planos, como um plano único de contribuição definida pura, agregado a um seguro de sobrevivência”.

O vice-presidente da APCEF-PR, Jesse Krieger, ressaltou a importância de se ter cautela sobre o ingresso de possíveis medidas judiciais a respeito do assunto. “Se ações atuais tiverem êxito, os reflexos acontecerão na Funcef. Uma ação civil pública demora no mínimo dez anos para ser transitada e julgada. Nossa ação do equacionamento já fez três anos e ainda está sendo discutido o conflito de competência do juízo”, avalia o dirigente.

Segundo Krieger, de qualquer forma, a APCEF-PR mantém-se alerta e, caso consiga provas consistentes que comprovem danos causados aos participantes, buscará na justiça a reparação. Ele lembra que, para essa medida, tem a garantia obtida pela Fenae, em ação de interrupção de prescrição de prazo.

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